segunda-feira, 24 de agosto de 2009

O SORRISO DO ASTOLFO




Alguns anos antes do inicio da Segunda Grande Guerra, no interior da Alemanha, na zona rural de uma pequena cidade, um senhor de aproximadamente 60 anos de idade trabalhava em uma propriedade rural de sua família, que distava uns 3 kilometros do centro urbano.

Diariamente, pela manhã para lá se dirigia, bem cedo, para os labores rurais, retornando para sua casa por volta das 17:00; passava por uma estradinha de uso comum que cortava a propriedade de Her Müller (Senhor Müller), um homem alto, magro sisudo e de poucas palavras... que não tinha o costume de cumprimentar a ninguém e mesmo de responder aos cumprimentos a ele dirigidos.

Mas o Sr. Jacob, que o encontrava diariamente, sorria e dizia para ele:- Bom dia, Sr. Muller. Boa Tarde, Sr. Müller... acostumado a não receber de volta sequer um aceno de cabeça mas, tinha educação de berço e assim o fazia sempre...

O Sr. Müller era um apaixonado pela causa Nacional Socialista, movimento este que crescia vertiginosamente dentro da Alemanha, a Alemanha Nazista. Filiou-se ao partido e era um dos assíduos colaboradores do movimente e alto admirador do Führer (chefe) Adolf Hitler a quem tinha e pelo partido uma obediência canina. Uma razão maior para não responder nem intimamente os cumprimentos diários do Sr. Jacob, apesar de alemão, era descendente direto dos judeus, que já eram as pré-vitimas dos objetivos assassinos do nazismo.

No intimo, lá no intimo mesmo, simpatizava com o Sr. Jacob, pela figura simpática e doce que ele era, pessoa calma, agradável e querido por todos, mas nem de longe ousava externar esse sentimento de simpatia que anelava intimamente.

O movimento de simpatia e agregamento ao Partido Nacional Socialista (Nazismo) crescia em uma progressão geométrica dentro da Alemanha e todos aqueles que se mostravam ferrenhos admiradores eram convocados para assumirem postos de comandos na área civil ou militar, sempre de mando ou comando sobre os cidadãos comuns e o Sr. Müller foi designado como chefe de um destacamento local de caça e prisão aos judeus que habitavam àquela região, com uma autoridade quase sem limites, inclusive quem ia ou não ser enviados aos campos de concentração e após “escolha” ( julgamento sumário) para os fornos crematórios.

Sr. Jacob, por prevenção e medo, fez com que sua esposa, filhos, netos, enfim toda sua família saísse do país aos poucos, antevendo uma grande tragédia que acabou acontecendo. Ficou sozinho mais para despistar e tomar conta daquilo quem nem sabia se seria seu mais, mas ficou e sempre quando encontrava, cumprimentava ao Sr. Müller, que já usava uniforme nazista com o famoso monóculo e a varinha, característica do mando. Passado alguns meses o Sr. Jacob foi tambem preso e submetido a vários interrogatórios, que os nazistas tentavam obter a informação do paradeiro de outros judeus e principalmente onde sua família tinha ido, antes é claro do confisco de todos os bens pertencentes aos judeus. Sr. Jacob foi enviado a um campo de concentração e trabalhava nas estradas de rodagem nos arredores de sua cidade.

Por ordem do Alto Comando Nazista, chegou a determinação para que todos os judeus, com saúde debilitada e os com mais de 60 anos, fossem invariavelmente enviados aos fornos crematórios, vez que já não estariam aptos para o trabalho de servidão a que eram submetidos.

Formavam-se filas de judeus maltrapilhos, magros, sujos e desnutridos. De frente para esta fila, ficava o Sr. Müller com a inseparável varinha, que com ela dava os sinais que os soldados obedeciam: se para esquerda, os soldados já encaminhavam aos fornos; se para a direita (e pouquíssimas vezes isto acontecia) o preso era levado de volta às dependências do campo de concentração, continuando na escravidão costumeira.
Num desses dias e numa destas filas estavam o Sr. Jacob a caminho do fim e o Sr. Müller no comando e como juiz supremo, com o poder total de decidir sobre a vida e a morte daquelas pessoas e assim fazia, como se fosse um deus.

O momento pra o Sr. Jacob se aproximava, suava frio e tinha as pernas e braços tremendo à vista turva pelo medo (Camões, nos Lusíadas escreveu:- QUE DA TENSÃO DANADA, NASCE O MEDO...) e nenhum deles sabia do outro, naquele momento... Chegou a vez do Sr. Jacob. O Sr. Müller teve momentos de indecisão e, por alguns segundos, lembrou-se dos cumprimentos, sorrisos simpáticos e diários de sua vitima e por isso a ponta de bondade que existia em seu coração fez com que a varinha do mando voltasse para a direita, salvando então o Sr. Jacob da morte certa e inexorável. Sr. Jacob sobrexistiu à guerra (não se sabe como) e o Sr. Muller, também.

Esta foi uma estória real...

Esta a seguir, também é uma estória real...


Todavia, Astolfo Olegário de Oliveira era o seu nome ou Astolfo Basílio, pois seu pai chamava-se José Basílio de Oliveira. Foi depositário de fumos em corda e um dos maiores, tinha empresa de transportes rodoviários e inúmeras propriedades na cidade. Muitos filhos. Foi casado em primeiras núpcias com D. Anita Borela de Oliveira, mulher de extraordinário valor e sensibilidade, ambos professavam a Doutrina Espírita, sendo ela um médium de quase todas as aptidões, com um sentimento de caridade sem par; ele tinha uma das melhores e maiores bibliotecas da cidade, leitor assíduo e um orador de extrema cultura, que “conversava” com a platéia, fazendo com que todos entendessem o que falava, com aquela clareza de quem se bate um papo. Seus filhos seguiram o mesmo destino. Dá gosto vê-los pronunciar uma palestra, seja espírita ou não.

Sr. Astolfo era um homem de tez morena, encorpado, quase gordo, que admirava a boa mesa e não tirava o seu cigarro de palha da boca, feito de fumo forte e dando aquelas baforadas substanciais, não era bonito nem feio, mas tinha uma simpatia e um sorriso que cativava... era um sorriso aberto onde mostrava todos os dentes e, quando o fazia, seu rosto todo sorria e em seguida vinha aquele papo inteligente que não dava vontade de sair de perto, mesmo quando o horário de trabalho estava apertado.

Foi o primeiro patrão de meu pai, que o contratou como vendedor de fumos em corda para o interior do estado de São Paulo, fazendo com que meu pai adquirisse experiência, amadurecimento e fizesse o seu pé de meia para uma vida de sucesso até certa época da vida.

Nas décadas anteriores a 1960, os mais velhos ou idosos não tinham pelo menos, aparentemente uma atenção especial pelos mais jovens; eram sisudos e, ai de nós jovens, que desrespeitassem ou não fossem respeitosos com um mais velho. Ai de nós...quando conversavam, tínhamos que ficar de bico calado, só entrando na conversa, quando convidados ou perguntados sobre alguma questão.

Lembro-me, uma vez, em minha adolescência, um senhor brincou comigo na rua e, não sei por qual motivo, não fui simpático com ele, não o respondi mal, apenas fui indiferente. Quando em casa fui chegando, este mesmo senhor estava conversando com meu pai. Entrei e meu pai chegou em seguida, e me passou o maior sermão quanto à respeitabilidade com os mais velhos. Era assim a educação e. assim, deveria continuar.

Voltando ao Sr. Astolfo, ele foi vereador, por duas vezes, em nossa cidade, que é Astolfo Dutra, antigo Porto de Santo Antonio que fica na Zona da Mata Mineira, tendo como comarca a cidade de Cataguases-MG. Com o falecimento de sua esposa, D. Anita os inúmeros filhos a estudar e alguns problemas comerciais, ele foi vendendo os imóveis que possuía e, com o tempo, só ficou com a sua residência... os filhos foram casando, cada um trabalhando e ajudando como podia. Já idoso, ele contraíu uma forte diabetes que acabou levando-o ao óbito em 1975. Lamento profundamente não ter podido comparecer ao seu sepultamento, para pronunciar poucas palavras de agradecimento pela sua cordialidade com todos e particularmente comigo.

No final da década de 50, eu ajudava meu pai em sua indústria de fumos, em todos os setores, principalmente nas vendas e entregas pela cidade e região; possuía uma lambreta e quase todo dia passava em frente à casa do Sr. Astolfo e lá estava ele debruçado no umbral da varanda, já doente, com seu inseparável cigarro de palha e sorrindo para quem passasse. O meu sorriso (dele) estava guardado sempre e isso me alegrava sobremaneira, vez que poucos idosos faziam isto a um rapaz de 16 anos... Um filho dele foi meu colega de ginásio e 3 dos mais velhos meus professores, que herdaram o bom sorriso, também simpático mas, faltavam um “quê” do Sorriso do Astolfo...

Hoje, tenho 63 anos, sou pai de 5 filhos e tenho 4 lindos netos e gostaria de ter para com todos, aquele sorriso, que nele incluíam varias virtudes como, compreensão, amabilidade, ternura e muitas outras que conforme a ocasião significam coisas diferentes e alentadoras.

Tenho muita saudade daquele sorriso. São poucas, às vezes, em minha vida que recebi um tão simpático e compreensivo gesto.

Quando saio à rua e sinto-me naquele dia meio deslocado ou mal humorado, lembro-me do Sr. Astolfo e vou começando a sorrir para um, para outro, enfocando os mais jovens como ele fazia e também aos mais idosos para que façam como o nosso Astolfo.

Em minha vida, em seus diversos aspectos, imitei aquele sorriso e quantas e quantas portas se abriram para mim, quantas discórdias terminaram antes de começar por causa do sorriso que dei, mesmo nas horas mais quentes e tumultuadas; lembrava-me do Sr. Astolfo e o imitava.


Gostaria de ser espontâneo como ele. Mas estou tentando e sabem, estou aprendendo sempre . Querem saber mais, é gostoso sorrir, principalmente para quem precisa de um agrado, para quem está triste ou aborrecido, faz bem a gente e aos outros porque tonifica a mente e a alma.


Que este Mundo gere mais Astolfos por aí, com aquele inconfundível sorriso e suas agradáveis e cultas palestras.

Olhem - isto aconteceu há quase 50 anos e até hoje sinto saudades destes tempos. Muito obrigado mesmo, Sr. Astolfo !



PLINIO COUTINHO LINHARES


Abril de 2007

6 comentários:

  1. é isso ai, dr. plinio, chega de esconder esse talento literário só em livros, vamos invadir esta estrada virtual! boa sorte, continue assim! beijokas

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  2. O que dizer sem ser chamada de chaleira né?
    Mas quero deixar aqui bem claro que te admiro muito como escritor, como poeta, como ser humano e a sua maneira de escrever prende, porquê ela faz viajar. Você se torna parte daquilo que lê e isso tudo é motivo de admiração. Poesias, textos, histórias. Tudo faz parte do seu eu e daquilo que possui de melhor. Então só posso dizer que você é o melhor.
    Beijusssss

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  3. leio seu texto e nao consigo 'encaixar'com o Plininho de A Dutra, um cara antipático, metido(apesar de quebrado, não perdia a pose...) e um grande covarde (numa serenata na semana do portuense agrediu o paulinho do virgilio de forma traiçoeira). quem sabe agora vc está mesmo melhor? espero seja verdade que hoje vc pensa no bem
    HONORIO LOPES, S. J. Nepomuceno

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  4. Olá Honório, não estou me lembrando de voce mas se nos conhecemos melhor...quanto ao quebrado, ainda estou e lutando pela vida aos 66 anos, a pose...nunca a perdi e não pretendo perde-la. Estou melhor sim Honório e muito, a escola da vida tem me ensinado e graças principalmente à Doutrina Espirita...quanto a ser covarde, nunca fui e não o sou até hoje; se voce me der o prazer de ve-lo novamente, poderei contar-lhe sobre a "agressão", a vitima fui eu e não ele, que é o Luiz e não o Paulinho, sempre lamentei o ocorrido principalmente pelo David seu irmão, meu amigo e tambem pelo Sr. Virgilio como pessoa extraordinária que era. Gostaria muito de ve-lo, meu caro. Muita Paz para voce e aos seus. Cordialmente Plininho.

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  5. boa resposta, Plininho!! parabens!! com meus melhores votos de saude e felicidade. abraço portuense

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  6. Caro Honorio, Voce é franco e verdadeiro...gostei, mas tambem é um gentleman...muitas felicidades, paz!Saudações Astolfenses!!!

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