Monte Verde é um distrito de uma cidade de pequeno porte perto de Juiz de Fora (MG), local aprazível rodeado de pequenas propriedades, desde granjas, sítios e fazendolas, onde predomina o gado de leite e corte, como também culturas comuns como milho, feijão, arroz, hortaliças, frutas, etc.
Numa destas fazendolas, vive Sebastião Moreira Prata, conhecido popularmente como “Tiãozinho”, trabalhador rural, muito querido pela população do distrito e de seus vizinhos pois. Além de trabalhador e honesto é muito prestativo quando dele se necessita.
Tiãozinho assumiu o lugar de seu pai que trabalhou na mesma propriedade. Por ocasião do falecimento do mesmo e tempos depois também de sua mãe, e uma irmã que acabou casando e se mudando para outra cidade, ficou sozinho, morando na casinha que sua família ocupava. Fazia suas refeições na sede da fazenda, como os outros trabalhadores de lá. A ocupação dele na propriedade, era o cuidado com o gado de leite, como alimentação, medicamentos e a coleta diária do leite das vinte vacas de boa linhagem. De forma que, bem de manhã e a tarde ele fazia o trabalho com os cuidados necessários, para envio diário à Cooperativa de Monte Verde do leite coletado.
O nosso personagem era de estatura mediana, magro, porém musculoso, muito disposto para o trabalho. De tez negra, solteiro e com uns 35 anos, estudou até a quarta serie do ensino primário, portanto sabendo ler e escrever. Cristão-católico, freqüentador das missas dominicais e das festas religiosas do seu distrito. Tinha como vício o cigarrinho de palha e umas pinguinhas moderadas à tarde e nos finais de semana. Era freqüentador de bailes, quermeses, e dos famosos forrós e gafieiras semanais no distrito.
Tinha bons amigos, como o dono do melhor barzinho, da venda local, o delegado. Afinal, benquisto por todos.
Uma de suas paixões era a musica romântica e sertaneja, sempre se acercando de um rádio, auto-falante em praças ou de uma viola para ouvir, fazendo seus sonhos e devaneios, pois até então não havia encontrado sua cara-metade por mais que tentasse, simplesmente a amada “não havia pintado”. Ainda...
Pela religiosidade de seus falecidos pais e por ele também seguida, tinha um grande desejo e, porque não dizer também um grande sonho. Só que, para realizá-lo necessitava de dinheiro. Não era lá muita coisa, mas como ganhava pouco como quase todo trabalhador rural, tirando o necessário para as despesas pessoais e seus parcos divertimentos semanais, quase nada sobrava.
Esse sonho era ir numa destas excursões a Aparecida do Norte, conhecer a Basílica, beijar a fita de Nossa Senhora Aparecida, assistir a uma missa e trazer uma pequena imagem da Santa, mais umas pequenas lembranças para os amigos. Além de um outro desejo antigo que anelava: comprar um radio de pilha daqueles com dois auto-falantes e com todas as faixas de onda, mais FM, para que pudesse captar varias rádios por este Brasil afora e procurar suas musicas romântico-sertanejas.
Informou-se do valor da excursão, do que gastaria com alojamento e alimentação, do valor aproximado da imagem, presentinhos que traria, de uma foto ao lado da imagem da Santa e principalmente do tão sonhado rádio que pretendia desde mocinho. Feita as contas e com mais um pouquinho sobrando para uma eventualidade, teria que economizar perto de 12 meses para a empreitada. Assim mesmo, fazendo umas horas-extras e mais uns biquinhos com sitiantes vizinhos e amigos.
Procurou a senhora que cuidava destas excursões e se inscreveu para a próxima, dizendo à ela que todo mês traria a quantia para seu credito.
Tudo acertado, mãos à obra e muito trabalho, pois também incluiria um terno de brim, que era o mais barato, e uma botina nova também. Até suas vindas semanais no distrito ele escasseou para economizar para a Grande e Sonhada Viagem.
E realmente, Tiãozinho deu duro. Além de seu trabalho normal e cansativo, consertou cercas, ajeitou estradinhas rurais, capinou para terceiros, ajudou nas colheitas circunvizinhas. Fez de tudo um pouco e o dinheirinho foi brotando que ele levava e deixava com a senhora organizadora da excursão. Sobrava algum para umas “branquinhas” e seus bailezinhos, mas tudo medido e regrado. Com a alimentação e remédios não se preocupava, vez que o patrão disso cuidava.
Uma outra coisa que também o atormentava era a ansiedade, à medida que o tempo passava - e realmente o tempo voava - ele mais trabalhava para conseguir totalizar os recursos e foi ajudado por Deus, pois faltando pouco mais de um mês para o evento ele completou o valor. Antes pediu ao patrão a licença de três dias. E aí chegou o Grande Dia.
Com um terninho bem passado e as botinas engraxadas e aquela malinha velha de papelão prensado, (alem do terno novo de brim, dentro da mesma). A excursão estava marcada para sair à 23 horas. E duas horas antes Tiãozinho já estava de plantão à espera, fumando um cigarro atrás do outro pela ansiedade, comparado a um dia de casamento ou nascimento de um filho. Embarcaram todos e ele suava frio, até que o ônibus andou e ele foi se acalmando, conversando com um, com outro.
Apesar de ser noite, e seu assento ser na janela do ônibus, enquanto os outros dormiam, ele não perdia nada do que pudesse ver, pois nunca havia viajado e tudo era novo e para depois contar em detalhes aos amigos.
Amanheceu. Chegaram e foram levados para um café-da-manhã em um pensão já pré-agendada e também para a muda de roupa e higiene pessoal, pois logo em seguida iriam assistir a missa na Basílica de Nossa Senhora Aparecida, receber as bênçãos e participar dos rituais.
Ao entrar na imensa e linda Basílica, seu deslumbramento foi total. O tamanho, a beleza, a altura da nave central, ele chegou ficar realmente tonto com a grandiosidade. Iniciou-se a missa e ele contrito, agradecendo a oportunidade da boa viagem, pediu pela alma de seus pais, pela sua irmã e família, pelos amigos e por si, pela saúde que sempre gozou pela vida afora, além para a melhoria de sua sorte financeira e quem sabe uma companheira bonita, amiga e amada. Comungou com muita fé, beijou a fita que para isso é colocada para os fieis e interiormente não parava de agradecer.
Dali, o ônibus foi para o centro da cidade onde ele aproveitou para tirar uma foto montada ao lado de Nossa Senhora e da Basílica. Comprou umas pequenas imagens, uns terços e mais umas pequenas e baratas novidades. Almoçaram, pois dentro de duas horas iriam fazer a viagem de volta.
Agora o segundo grande momento: o rádio!
Andou pela praça cheia de vendedores de bugingangas e aproximou-se de uma que tinha o rádio que ele queria; perguntou o preço, pechinchou, escolheu a cor e pediu ao moço que ligasse o rádio para ele ver como era e quantas pilhas seriam necessárias. O vendedor atendeu, ligou o rádio, mudou de estações, som límpido e forte, grave, agudo, com balance, etc, e os dois auto-falantes potentes, que conseguia-se ouvir o som a uns 50 metros de distancia. Acertado o preço, Tiãozinho tirou o dinheiro de um lenço que trazia enrolado e fez o pagamento. O moço, tirou do estoque um novinho na caixa, mostrou para ele e disse que aquele que ele viu era amostra e que as pilhas eram à parte, como o dinheiro estava curto ele pensou “as pilhas eu compro lá na venda do meu amigo em Monte Verde”. Embarcaram de volta e a felicidade dele era visível no brilho dos olhos e na alegria ao conversar. Veio com o rádio no colo, para evitar qualquer tipo de acidente.
Enfim chegaram à Monte Verde e como era noite, ele se apressou a ir para a fazendola, pois no outro dia tinha que recomeçar seu trabalho, deixando então as pilhas e o funcionamento do rádio para o próximo sábado, quando iria se deliciar com as musicas e exibi-los aos amigos, além de distribuir as lembranças que trouxe de Aparecida do Norte. Sonho Realizado?
No sábado, tomou seu banho e foi para o distrito, que distava mais ou menos uma légua. Chegou e foi direto na venda de seu amigo e adquiriu as pilhas para o rádio, colocou-as e ligou “o bicho” e nada! Mexe no dial para lá e para cá e nada. O radio só chiava, pediu ao amigo que o ajudasse, mudaram para as ondas curtas, medias, longas, FM e nada. Só chiava. Fizeram tudo ... e nada. Chegaram amigos e curiosos, tentaram e nada. Só chiava. Trocaram por outras pilhas. Nada. Sugeriram então que ele levasse a uma pessoa do distrito que era um “faz-tudo”, um quebra-galho nessas coisas. Mas naquele dia a pessoa estava ausente e só retornaria na próxima semana. Deixou então rádio com o seu amigo da venda para que ele o levasse para o conserto tão logo o técnico chegasse e no próximo sábado estaria de volta.
Uma semana a mais de ansiedade e pensamentos negativos. Será que o cara me enrolou? E eu não vou voltar lá tão cedo e também não tem nota. “Fui enrolado direitinho”, pensava.
Chegou o sábado e lá estava ele no distrito atrás só técnico que lhe deu a noticia:
- Olha, desmontei, olhei tudo e não achei nenhum defeito, só que não consegui faze-lo funcionar. Vá tentando, mudando de canal, estações quem sabe uma hora ele resolve ou você manda a um técnico em Juiz de Fora, pois lá eles tem aparelhagem para testes que eu não tenho. Tanto que não vou te cobrar nada!
E assim foi, ele tentava a noite, nos fins de semana, vinha para o distrito e pela estrada afora ida e vinda, tentando... tentando...e nada !
Após uns dois meses de tentativas frustradas, já voltando para casa e com a cabeça cheia de uns goles a mais, pensou: se até na ponte do ribeirão, essa coisa não funcionar, eu juro, eu juro, que jogo dentro d’água. Ah! se jogo!
Quando chegou na ponte do ribeirão, ele parou, tentou mais umas vinte vezes e o rádio só chiava, Tiãozinho levou as duas mãos para traz, tomou impulso e jogou o “maldito” para cima e quando ele estava quase no apogeu para começar a descer e cair dentro d’água ele soltou um som:
PRK7 - RÁDIO INDUSTRIAL DE JUIZ DE FORA, apresenta ...............
Plínio Coutinho Linhares
Setembro/2010